Em tempos modernos, não tem como escapar. Por mais que sejamos resistentes a certos modismos, uma hora nos rendemos e vamos ao shopping center.
Matilda queria ser “cool”, ou seja, legal, moderna, atualizada e despojada. Jurava de pé junto e ainda ajoelhada, que não iria se deixar levar pelas amigas e pelas influências do dia a dia e que não iria ao shopping nem que a vaca tossisse, espirrasse e fosse para o brejo. Ela era fã desse ditado. Polêmicas à parte, chegou ao shopping.
O que uma pessoa em sã consciência vai fazer em um local amplo, lotado de circunstâncias, esmerado com enfeites “vitrinais” (sim, a pessoa chique fala assim e não se importa se a palavra existe ou não) e aberto ao mais valioso paladar? É isso mesmo, Matilda foi simplesmente encontrar uma amiga para um papo e experimentar a novidade gastronômica do momento.
Enquanto esperava, o shopping vivia. Para quem não tinha o hábito constante, o shopping center era sim, para ela, um ser vivo, com manias e qualidades, pirraças e delicadezas e ainda poliglota. Alguém poderia duvidar? Matilda pensava dessa forma e refletia sobre essas manias e etcssssss e, em breve, saberia, se sim ou se não estava certa ou errada.
Continuando, a espera não foi muito longa, mas suficiente para averiguar, com olhos de Sherlock Holmes, as coisas que passavam à frente dela e da amiga. O rapaz de skate (dentro do shopping) deslizando seus pensamentos através dos fones de ouvido de última geração (e ai de quem não saísse da frente, poderia ser atropelado na hora. A senhora com o óculos chique, daqueles estilosos inimagináveis e que, de tão exótico, ficou estranho-belo ou belo-estranho. A moça da bolsa pequena quadrada rosa, com alças curtas prateadas e tudo mais, de fazer inveja a qualquer boneca dos anos 80. Uma coisa era possível falar dessa pessoa esbelta. Ela annnndaaaaaaaavvvvaaaaa pelo shopping. Em menos de cinco minutos foi e voltou pelo menos umas dez vezes, parou na mesma vitrine, deu dois toquinhos no vidro, mexeu na bolsa rosa, olhou para o lado e foi para o outro. Matilda queria saber o porquê. O rapaz que ficou em frente à planta verde, tirando "selfie" da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, foram mais de 34 cliques, e ainda olhando quem estava olhando para ele e quem não estava. Matilda riu nessa hora e a amiga não entendeu a razão. O fato foi que o celular caiu da mão dele dentro da planta e ele teve que chamar o segurança para tirar o tal objeto de lá. Era a atenção que ele precisava. A senhorinha bonitinha de cabelo branquinho e vestido abaixo do joelho, segurando uma linda bengala imponente que contrastava com sua pequena curvatura frontal devido à sua avançada idade. E com ela mais duas pessoas de escolta. Matilda se emocionou com a cena. Os maridos sentados no banquinho (que shopping não teria maridos sentados nos banquinhos esperando suas esposas se descabelarem nas lojas por causa de um produto que queriam muito e não estão encontrando?!). A moça que saiu da academia e passou tão rápido que até esqueceu para onde estava indo. O rapaz que falava ao telefone e olhava para todo mundo ao mesmo tempo, desconfiado que estava sendo observado (tinha algo errado ali, ah se tinha! Matilda tinha certeza). A mulher de cabelo curto e alargador na orelha. Em uma orelha, um alargador gigantesco, na outra um brinco clássico dourado. Matilda não entendeu o estilo mas apreciou a combinação. E por fim, o homem que passou e nunca mais voltou.
O fato é que a amiga havia chegado e as duas foram para o respectivo local experimentar a tal renomada novidade gastronômica. Chegando lá, sentaram-se em uma mesa agradável, bem debaixo do freezer chamado ar condicionado e, já com a conversa em desatino, pegaram o cardápio, olharam todos os itens, reformularam os pratos e fizeram o pedido do que mais estava em alta. “Garçom, por favor, tire o leite, o glúten, o queijo, o defumado e o palmito”. “Ah! E também a ervilha e o molho meio azedo. Ah! E a folha que está descrita pode ser a outra ao invés dessa. Obrigada. ” Assim foi o pedido de Matilda.
E após a sobremesa sem sal e sem açúcar, nem diet, nem light, porém deliciosa, despediram-se uma da outra, do shopping e foram embora, contentes. Assim como todos os outros personagens dessa história.
E quem diz que não vai ao shopping, no shopping, em algum momento vai estar.
Detalhe: ao sair, Matilda viu uma placa indicando “Numerologia”.
E foi assim que Matilda decidiu mudar seu nome.
Comments