Assim como viajar de carro ou de avião, pegar a estrada não é fácil dependendo do destino e de quem vai ao seu lado. Principalmente quando a pessoa que se senta ao seu lado é aqueeeellllaaaaaaa que você viu na plataforma e rezou semmmm parar para não ser. No caso em questão tudo começa na rodoviária. Assim disse Matilda.
Ir comprar a passagem com antecedência, verificar o local correto da poltrona, correr para pegar o ônibus de última hora ou chegar antecipadamente para comprar aquela balinha básica que iria ajudar no sono. Tudo em prol da satisfação de pegar a estrada para algum lugar.
Um passageiro entra no ônibus e, imediatamente, Matilda coloca o fone no ouvido, o óculos escuro, o livro na frente do rosto, como se estivesse escondendo de alguém. Tudo isso para a pessoa não sentar do lado. Era tímida e desconfiada. Como se adiantasse muita coisa já que ele tem uma passagem em mãos. Mas nada como ter esperança de que, aquela pessoa que foi mencionada anteriormente, não sentará na poltrona 16. Ele entra no ônibus, já todo carregado de sacolas e passa direto. Ufa! Funcionou o disfarce. Só que ele achou que era poltrona 26 e, na verdade, a poltrona sorteada para ele foi a de número............16.............! Bingo! Bem do lado. Ele chega, põe a tralha na cadeira junto com o casaco, acomoda a sacola em cima e senta.
Qual é a primeira coisa que uma pessoa dessas faz quando senta na poltrona do lado esquerdo? Puxar papo. Sim, e normalmente fala do tempo. Está calor, está frio, podia nevar, ou não chover na viagem. Matilda, então, lança um olhar de descontentamento, que nem é percebido pelo indivíduo. Ele continua falando e se explicando.
O ônibus sai da rodoviária e lá se vão os dois destinos para quase o mesmo destino.
Após uma hora e meia de viagem, Matilda enrola o casaco ou a echarpe no pescoço, fingindo que vai dormir. Não adianta. Nessa altura do campeonato já se sabe quem casou, quem separou, como vai a família, profissão e todos os detalhes da vida cotidiana do sujeito. Já é noite e o frio aperta um pouco, mas o companheiro da poltrona adjacente está com calor e abre a torneirinha minúscula que sai o ar condicionado. Pronto. Nariz congelado. E é o que precisa ficar para fora da echarpe. Mas, para a alegria geral da nação, ele-vai-descer. Mas, o camarada, que parece mais um personagem maluco dos filmes de comédia, não se contenta em não incomodar. Ele é um sujeito que se preocupa com a aparência e, antes que chegue a hora de partir em sua parada no meio da estrada, ele pega a mochila (ele também traz sempre uma mochila), abre o fecho de trás e tira o spray. Nesse momento, a vontade de Matilda é de fugir, pois isso não vai dar certo! Essa é a certeza! Calmamente e com a tranquilidade de um monge, ele ti-ra-o-sa-pa-to-e-le-van-ta-a-cal-ça e passa o spray em todo o pé e perna fazendo uma massagem em círculos. Abaixa as pernas da calça e torna a calçar o sapato. Em questão de segundo acontece uma tosse por ali. Cada um no seu habitat e com sua fragrância favorita, mas....pelo amor de Deus. E a echarpe de Matilda começa a sufocar, pois o cheiro de menta se espalha pelo ônibus. O jeito tirar do pescoço e rezar para ver se Deus ajuda. E ele dá o sinal, desce do ônibus e se vai. E fica o rastro dele, resplandecente, atemporal, iluminadamente aromático.
Esse ônibus é daqueles que para para todo mundo. Tem moça de cabelo verde, gente com criança remelenta, e uma senhora que ficou na poltrona do canto na mesma direção que a fila do cara do spray, ou seja, a fila de matilda. Sempre tem uma pessoa assim meio estranha ali do lado de lá. O sono chega e Matilda tenta...dormir...E quando está quase dormindo, passado parte do frescor de menta, ela, a senhorinha bonitinha, chama assim: ”Pega minha passagem, caiu no chão”. “Com quem ela está falando, gente?”. E repete: “Pega minha passagem, caiu no chão.” Lá vai alguém levantar, ajoelhar no carro escuro e tentar achar o papelzinho dobrado em mil pedaços debaixo da poltrona. E ela ainda completa: ”Está achando não?” “Nãaaaaaooooooooo”.
A viagem continua e entram dois senhorzinhos. Um senta do lado na ex poltrona do rapaz do spray, pois agora o lugar está vazio e, o outro, na de trás. Que bom, hora de tirar um cochilo. Quando.....um deles indaga: ”Vou passar para a poltrona da frente para a gente ficar conversando!” E queemmmmmm disssseeeeee que Matilda quer escutar conversa alheia mesmo? Já bastam as duas moças sentadas na frente que falam para as tripas do Judas, que nem maritacas, a respeito dos namorados e dos não namorados no interior. E sim, em conjunto ou até simultaneamente, os dois fofinhos da vez engrenam um papo. O que Matilda pode fazer? Chorar, porque nada de dormir. E conversa vai, e conversa vem com assuntos diversos. Uma hora é a safra, outra hora o vizinho, intercalam para o açougueiro da cidade que foi carregar uma caixa e deixou cair no pé do prefeito (ficou mais ou menos enrolado), depois falam da Dona Maria que cozinhou a galinha caipira no dia de domingo e...a galinha fugiu da panela.....é hora de descerem.
Ah! Agora sim, essa deve ser a milésima parada e ninguém mais entrou. Hora de puxar um ronco. Está silencioso agora. É quando o trocador abre a porta que separa a cabine, vem apoiando de poltrona em poltrona e....senntaaaa dooo ladddooooo de Matilda, para contar as passagens do dia. Sim, hora do surto! Passa papelzinho, conta papelzinho, passa papelzinho, conta papelzinho. Sem contar os que caíram no chão e ele também teve que ajoelhar para pegar.
E após uns vinte minutos escutando barulho de papelzinho, é hora de avistar a rodoviária destino. O que restou para Matilda? Enfiar a viola no saco e descer. Não, tem mais uma coisa. Lembrar da amiga que foi te levar na beira da rodovia para pegar o ônibus e voltou para casa com um certo dejeto de passarinho no pé. Ah! Isso sim é que é história! Pelo menos a viagem foi divertida! Viagem finalizada, pé no caminho. Fim de linha!
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