A data era típica e Matilde Sofia acordou animada para a festividade. Ela não falava nada do idioma ou sabia tanto assim da tradição, mas aprendeu algumas coisas na escola durante as aulas, pois achava que tinha habilidade para os idiomas e queria morar fora do país um dia. E decidiu usar isso como inspiração.
A primeira coisa que fez ao acordar foi pegar as abóboras que havia separado no dia anterior para enfeitar a casa. Ela estava sozinha em casa e começou a indumentar os cômodos com vários enfeites, alguns feitos por ela mesma. O problema era que enquanto ela tentava posicionar os enfeites, o cachorrinho filhote dela se sentiu participante da preparação e a seguia mordendo as coisas e inclusive cismou de comer uma das abóboras que Matilde Sofia cortou, especialmente para o dia, fazendo os olhos e a boca da abóbora de Halloween ficarem abstratos. Quando percebeu o estrago, lá estava a abóbora com algumas abocanhadas e meio amassada, levando-a a prender o culpado na parte da área da casa.
O amigo de Matilde Sofia ficou responsável por comprar os doces para o famoso “trick ou “treat”, expressão que usariam junto com algumas crianças para distribuírem aos pequenos as guloseimas da festa. Ele chegou na casa dela por volta de onze e meia da manhã junto com a amiga deles, que trazia uma sacola enorme com algumas fantasias que havia selecionado para os três.
A rua onde Matilde Sofia morava não costumava ser adequada às festividades mas, às vezes acontecia de se ver barraquinhas de festa junina ou algo do tipo por ali e, então, eles resolveram se enveredar pela comemoração estendendo a decoração até o passeio, em frente de onde morava. Penduraram as aranhas sem perna, espalharam abóboras, parte delas mordidas, criaram teias e fizeram uma iluminação especial para que na parte da noite estivesse um clima de Halloween adequado para que as crianças que os três conheciam pudessem apreciar e curtir a festa.
O dia passou leve com Matilde Sofia filosofando sobre as origens do Halloween, o amigo tirando o cachorrinho de dez em dez minutos de alguma travessura e a amiga de Matilde Sofia pensando sobre a “live” de maquiagem para Halloween. Terminaram a tarefa por volta de seis da tarde e ligaram para os amigos que tinham irmãos e irmãs pequenas, convidando para que pudessem ir até lá ganhar um doce e danças ao som da trilha sonora escolhida para o momento.
Matilde Sofia vestiu-se de abóbora, o amigo de esqueleto e a amiga de aranha; acenderam as luzes da casa e, como haviam colocado enfeites em frente da porta de entrada e também no passeio, atraíram os olhares não somente dos convidados mas também de quem passava na rua, pois de fora o que se via era uma cena de filme de horror e comédia por causa do que a iluminação causou em efeito de luz e sombra. Eles esqueceram de conferir o resultado final e, quando abriam a porta da frente, aparecia uma imagem projetada de uma aranha banguela na parede logo em frente.
As crianças começaram a chegar e ao entrar ficavam em choque com a imagem, causando uma sensação de estranhamento em todos. A música era divertida e os meninos e meninas mais corajosos entravam. Algumas começavam a chorar e Matilde Sofia não sabia se tirava a máscara, ajudava a mãe da criança ou se soltava a cesta de balas que estava segurava para receber a todos.
O caso foi que os pais de Matilde Sofia não deram muita trela para ela quando ela disse que iria fazer uma festa e programaram uma reunião com os casais tradicionais do bairro para discutirem temas religiosos. Haviam convidado umas senhoras religiosas do bairro e uns amigos que eram mais tradicionais com o que diz respeito ao comportamento humano.
A amiga de Matilde Sofia havia incluído em sua contribuição uma performance teatral onde faria uma intervenção ao estilo Halloween para os convidados. Era por volta de nove de oito da noite quando quatro carros chegaram e estacionaram em frente a casa. Os pais de Matilde Sofia, vendo a balburdia que acontecia em sua casa ficaram em estado de choque, ainda mais quando o cachorrinho saiu latindo com os dentes todos vermelhos por causa de uma espécie de suco de groselha que ele havia derramado no chão e que coloriu tanto os dentes quanto o focinho, arrebatando gritos de algumas crianças que se assustaram com o pequeno filhote.
O caso foi que Matilde Sofia, vendo a situação em que se metera, começou a oferecer doces para os amigos dos pais, que em conjunto, simultaneamente, fizeram o nome do pai, já que não sabiam nada sobre a festa de Halloween e achavam que ela havia enlouquecido de vez.
Em resumo, a festa acabou em abóboras esparramadas, o amigo de Matilde Sofia segurando uma espada gritando em luta com o pai dos garotinhos que entrou na onda da festa junto com o filho e as senhoras rezando o “credo”, em circulo no meio da sala, tirando uma delas que experimentou um dos doces e acabou dançando com a amiga de Matilde Sofia, que não percebeu nada porque estava de costas para a entrada, na cozinha, dançando ao som do seu fone de ouvido. E, em solidariedade, Matilde Sofia e o amigo também rezaram, para que não entrassem em uma fria maior ainda.
No dia seguinte, uma vizinha bateu na porta da casa de Matilde Sofia e perguntou “É aqui que estão distribuindo doce para a quermesse do bairro?”. Eu gostaria de participar da procissão.
E quem pode imaginar a cara de Matilde Sofia ao escutar essa pergunta?
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